Revelações de um eu era um lobisomem juvenil - Encontro no desencontro.

Quantas vezes na vida você tem tido tempo para se trancar em seu quarto, fechar os olhos, e mergulhar numa lembrança boa? Será um sentimento mal resolvido que me faz lembrar certas coisas? Não sei. Só sei que hoje eu voltei ao passado, e me vi num episódio onde encontrei o que nem sabia que buscava diante de um desencontro total que aconteceu comigo.






Nós tínhamos sido namorados, tão iguais e tão diferentes ao mesmo tempo, ela era muito paulista, daquelas que mantém sotaque, e eu era apenas uma pessoa difícil de agradar. Tínhamos em comum uma lembrança de alguns beijos e uma música do Lobão que havíamos discutido sobre a letra um dia, e só. Mas havia outra menina, uma novidade, que parecia mais mulher que as outras, e naquela tarde ao dobrar o corredor ao lado daquele depósito mal cheiroso ao qual queriam que chamassemos de biblioteca eu as vi. Pensei; - Poxa elas são amigas, isso é bom! Que chance eu teria de conhecer ou me aproximar melhor dela se não usando a minha ex de escada? Isso poderia soar como nada ético, mas estávamos em 1989, ética era um sentimento distante naquele país pretérito. De imediato tirei meio quilo de cabelo que escondia meu rosto da estranha sociedade geral e olhando de relance cumprimentei minha parceira de porralouquices que me sorriu insinuante numa resposta ao cumprimento.



 Fazia umas duas semanas que não nos falávamos, é claro, quando se decide não ficar mais juntos, compartilhando saliva, isso é normal de acontecer. E como se esse tempo longe nunca tivesse acontecido me aproximei tagarela, acontece que tagarelar era uma atitude dela, invertemos então, tudo bem. O nosso papo era sempre agradável quando os hormônios ou os interesses contrários não se faziam presentes, e eu comentei interrogativamente; - Eu vi você com a novata ontem. Ela retrucou; é a Alessandra! Continuei; - Você podia me apresenta – La? Seu olhar franziu e ela cortou direto; - Tá afim? Seu olhar me intimidou; - Não só achei interessante. Ela cheia de desdém, como quem tem o mundo em suas mãos encerrou o assunto; Procure-me na hora do intervalo.






Deu certo, pelo menos aparentemente, havia quebrado a primeira barreira e já iria ser apresentado a ela. Minha ex, agora alcoviteira ia dizer uns lances legais sobre mim, talvez mentir que eu beijo bem, que eu escuto Barão Vermelho, sei lá! Será que ela gosta do Barão? Eis a dúvida que me atrapalhou na velha aula de álgebra. E no recreio, como já combinado eu me aproximo e cumprimento patético; - Hi Pink punk! A patetice é uma característica comum a qualquer conquistador barato e ela respondeu balançando a cabeça; - Olá melhor parceiro do Mickey! Escuta Lê, esse é o meu amigo G..., ele gosta de rock e pensa que é tão poeta como o Cazuza. Qualé J? Isso é jeito de me apresentar? Mas a criatura carnuda ao lado sorriu e isso era um sinal, tá verde otário, avança e retoricamente muda essa possível primeira má impressão. Abri a boca com um eu adoro o Cazuza, mas tenho escutado mais as novas coisas do Barão. E foi na mosca que acertei, pois ela me respondeu com um eu adoro muito mais a banda agora! Tá mais rock n’ roll. Repliquei: - Poxa Lê um amigo meu conseguiu o Carnaval e a gente vai se reunir lá na casa dele para ouvir e discutir o álbum na sexta à noite. Ela respondeu com aquela gíria vazia; - Massa! Meio segundo de silencio torturante procurando assentar entendimento e eu facilitei – lhe a vida retrucando; Quer ir lá comigo? Sabe aquele lance brejeiro das meninas made in Ceará anos 80? – Só vou se a J... For também. Porra Agora melou! Foi o que pensei. Mas é claro que ela vai me reforçar e saí pela tangente, é assim que agem os amigos, e quem foi que disse que ex é amigo? - Eu vou, vai tá cheio de carinhas interessantes lá. Fodeu! Mas deixo - a segurar essa vela se é assim que ela quer.




Nos anos 80 os meninos e meninas gostavam de rock e existia rock nacional, o que facilitava o entendimento da linguagem. O encontro do grupo de estudos “é tudo filha da puta!” titulo originado de uma canção do Ultraje, eram as sextas à noite. Tem gente que se reunia para jogar pôquer, outros para fumar maconha, nós nos divertíamos como bons cdfs, ouvindo canções e discutindo artes. Naquela noite havia seis Lps na mesa do centro da sala, eram o Carnaval do Barão Vermelho, O Babilônia da Rita Lee, que era o meu, o Concreto Já Rachou da Plebe & Rude, Cena de Cinema do Lobão, um do Cheque Especial e outro do Magazine. Pepsi cola a gosto com limão e pipoca. Mal chegam as meninas e os caras se transformam em caçadores, somente um completo imbecil marca um encontro ali, esse babaca era eu. Começaram os diálogos e a gata garota abria a boca e perdia o encanto, ela era como toda gata muito gata, um corpo perfeito e uma cuca totalmente desencorajadora. Pense num desespero ouvir Brasília da Plebe se percebendo o grande perdedor da noite? Enquanto quatro caras escutavam aquele Bradamento nonsense do meu ex interesse um dos caras investia como um kamikaze na J... E isso me irritava mais que o desencontro. Foi quando finalmente alguém colocou na agulha o disco do Barão vermelho e a gostosa caiu na besteira de afirmar que aquele era o melhor trabalho da banda até o momento. – Como assim? Melhor que o Maior Abandonado? E todos, até o kamikaze, esquentaram a discussão. E olhei no fundo dos olhos da J... Sério, como quem sente ódio mesmo. Com um ar ameaçador, só com o olhar e a convido a se retirar da sala e ninguém repara, era como se tivéssemos saído para ir a cozinha pegar mais Pepsi e pipoca. E ao chegarmos calados lado a lado na cozinha, eu como um animal revolto a encosto na geladeira e a engulo num beijo voraz, era tudo ao mesmo tempo ali, todos os sentimentos que por mais que a gente envelheça não conseguiremos jamais controlar. Enquanto eu atacava a sentia desfalecer, só podia ser amor, ficamos até meia noite naquela casa, depois da fúria do beijo a gente se afastou dos outros e conversou muito sobre todas as coisas, das eleições com Brizola e Lula que nos representavam a poesia contida nas Quatro Estações da Legião Urbana. Como um cavaleiro deixei as em casa depois das doze e cheguei à minha casa de madrugada. Não dormi, fiquei pensando até tarde no que aconteceu, escrevi Amor e Náuseas naquela noite. No outro dia encontrei a J... Na escola, ela estava fria, distante e por mais uns quatro meses num rolou mais nada entre a gente.




Às vezes tudo que está tão certo aos olhos de alguém atrapalha
Às vezes a noite não revela de cara se é fogo na palha
Meu gosto saliva em tua língua nativa, ogiva pré - equipada.
Sentindo o arrepio, nocivo, vacilo, entre teus braços cativos,
Como se fora naquela mesma tão manjada jogada
Amor e náuseas na madrugada, na madrugada amor e náuseas.
                                                                         
Georgiano de Castro.



Comentários

  1. Sensacional!! Quase uma Foto-novela!
    Muito bom mesmo!

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  2. Narrativa leve a agradável. Sem pperder a veia crítica , sempre presente em seus textos.

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  3. Me senti expectadora ao vivo na cena, mesmo tendo a certeza que nesse dia, nessa noite, nesse horário, eu estava em casa dormindo agarrada com um ursinho de pelúcia kkkkkkk na mais santa inocência! Ansiosa pela continuação dessa saga!! Leitura agradável e cativante... amei!

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  4. PÔ OBG DJANY, VOCÊ TAMBÉM VIRA PERSONAGEM NESSA SAGA, AGUARDE! BEIJÃO.

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