SOBRE O TEMPO E DEUS!
Antes mesmo da teoria
da conspiração está tão em voga, quando eu nem sabia da sua existência, eu já
conspirava contra tudo. Havia em mim uma descrença generalizada apoiada a um
não sei tanto de leituras desapropriadas para a minha pouca idade, ou não, seriam
desapropriadas para mim mesmo. Éramos um grupo de amigos quase inseparáveis,
para onde olhassem lá estava eu, Georgiano de Castro, o Cthêysco, F.co silva, o
Novinho, José Ivanildo, e o Nildo, Francinildo Moura. Típicos suburbanos,
meninos que juntos íamos quebrando as barreiras impostas por um posicionamento careta
e ditatorial que a sociedade ainda tinha no final dos anos 80.
Eu e o Cthêysco
éramos nerds convictos, mantínhamos um olhar blasé para tudo o que víamos, como
se toda a lógica do universo não passasse de um deja vu constante! Era o tipo
da boçalidade mais idiota e desprezível que se poderia imaginar, discutíamos um
não sei quanto de bobagens e nos apoiávamos um no outro com uma sutileza de
tramoia não muito relevante, diria até covarde, mas tínhamos um público, os
outros dois personagens, o Novinho e o
Nildo.
O novinho era o
típico punk de subúrbio, menino trabalhador, dedicava parte da sua infância ao
trabalho que era obrigado pela as circunstâncias econômicas nada agradáveis do
país e da região. Ele era interiorano, veio com a família, pai, mãe e muitos
irmãos, para tentar vencer na Fortaleza. Moreno, cabelo Black, e acima de tudo
humano, muito humano. O Nildo era o mais novo, irmão do Cthêysco, o lance pra
ele era tá ali no meio dos grandes.
A única coisa
naqueles tempos em que discordávamos eu e o Cthêysco, era sobre Deus, eu não
acreditava, de maneira alguma, aquilo era lenda, esoterismo, a fraqueza do
homem, explicação mais fácil diante do desconhecido, do inexplicável! E para
ele Deus era sucintamente o inicio, o meio, a razão, e o fim de todas as
coisas, eu dizia que não era cobaia, e que cristo não era vencedor coisa
nenhuma, ele foi assassinado, e seus seguidores forjaram a ressurreição, para
oportunizar uma mistificação, ou seja, torná-lo um mito! E ele rebatia dizendo
que o acaso é que é improvável Deus mandou Jesus por que ele precisava nos
mostrar o caminho, nada nem ninguém eram, ou tinha sido perfeito, só Jesus o
filho de Deus. Naquela época estavam construindo o conjunto Tia Joana, e nós a
noite íamos para lá papear nas calçadas do condomínio ainda em acabamento.
Agente “brigava” e os meninos só ouvindo sem participar, até que um dia eu já
puto perguntei meio que sem querer ao Novinho; E aí Novinho, o que tu me dizes
da questão? Ele franziu o olhar, colocou a mão no queixo como quem iria
matutar, mas não matutou, respondeu de cara: - Pra mim ele existe sim, porque
meu pai acredita, e se ele, digo alguém, ou até mesmo agente acredita em algo,
é porque existe né não? O Cthêysco retrucou: - Claro, mesmo que não exista de
verdade né isso que você quer dizer? Existe porque agente crer! Na época eu não
tinha maturidade para entender ou concordar, eu queria era jogar pedra como
fazem os tolos, eu não separava as coisas, era emotivo e imaturo, como um filho
caçula mimado com muito ódio para ofertar.
Hoje eu lembro com
saudades e afeto desses tempos, tudo era ingênuo, éramos apenas alienados,
patetas new waves. Não havia ainda drogas e tantas outras merdas dos anos 90,
tudo era pueril! Meu ódio era puro, a Fé cristã do Cthêysco era pura, a
matutisse punk do novinho também, e o Nildo era o menino mais bonito do bairro.
Nós nem sonhávamos que tanto sofrimento ainda estava por vir. E Tudo começou
quando o Novinho foi assassinado por nada, de graça, aquilo foi cruel demais
com agente! Não dá pra entender porque um imbecil resolve pegar uma arma e sair
por aí matando pessoas jovens para apresentar se de mal, é ridículo! Tudo bem
que eu já bebia quando aconteceu, mas a partir dali veio o descontrole, o Cthêysco
não dava mais certo com ninguém. Namoradas iam e viam, ele inventava
sentimentos inexistentes para poder sofrer a dor do mundo como se fosse
passional, e o grupo só o aturava por causa do código de conduta, e claro do
amor que sentíamos todos uns pelos outros. O Nildo se isolou, passou a ter
ataques epiléticos e uma depressão latente, ele e o Léo, era um grupo a parte,
mas mantínhamos todos, aquele respeito e sentimento de irmãos. E a maneira que
eu ia exagerando e enlouquecendo, mais os meus sonhos iam embora, caia tudo por
terra, lá em casa eu era o estorvo, nem a minha mãe me aguentava, era a mais
perfeita tradução do desespero.
É claro que eu não ia
aceitar o meu estado de depressão, afinal eu explodia! Eu sou autossuficiente
demais para aceitar a fossa, sou orgulhoso e egoísta! Quando meu pai me
expulsou de casa, eu pensei em pedir ajuda, até fui até a frente da casa do
Cthêysco e do Nildo na intenção de pedir
ajuda, mas não, resolvi tomar no cú sozinho com orgulho. Dormi na rua e no chão
não era experiência nova para mim, mas o que doía era saber que antes era por
opção, eu tinha para onde voltar, mas daquela vez foi foda, e eu dormi nas
obras do salão paroquial da igreja, até que um dia, de manhã bem cedo, minha
mãe achou aquele caco de gente que só tinha cabelo na praça com fome e medo, e
me levou pra casa, para ficar com meu irmão escondido na casa de cima. E eu
reprovei vestibular, eu pensava que ia passar no inicio do ano, minhas
dificuldades com exatas tinham o apoio do Cícero Alexandre e do Isaias Zhoh!
Quando nós migramos pro Filgueiras Lima, eles ficaram lá, mais eu fui obrigado
a voltar pra perto de casa. Se eu estivesse normal não desesperaria, mas eu não
podia mais depender daquele verme que era meu pai, e afundando mais e mais na
merda fiz o curso de soldado de fileira da Polícia Militar do Estado do Ceará
em 1998, e fui aprovado lá na rabeira, e acabei me tornando algo que tava na
cara que não tinha nada a ver comigo.
Mas mesmo sendo foda
o meu caminho até ali não posso negar que o lance de pela primeira vez ter meu
próprio dinheiro pra gastar era excitante. Agora eu só bebia cerveja, e adotei os óculos escuros
permanentemente, era como uma máscara. Era uma fase de doença mental
gravíssima, tudo era platônico para mim, a razão era só minha! Eu sempre fui
popular, todo mundo, em todo lugar sempre me conheceu, e sempre fui líder também,
isso para mim é coisa mais natural do mundo, e mesmo com essa conduta variável
eu conquistava mais e mais adeptos, que viravam amigos, pessoas que ainda hoje
têm um carinho muito sério por mim. Isso já basta para qualquer pessoa normal
se sentir bem, mas sempre havia um vazio, um desespero. E a coisa ia de mal a
pior! a minha descrença chegou ao limite. Certa vez quando ainda trabalhava na
cadeia pública de Caucaia, eu, por força da função, era obrigado a cumprir
quarto de hora na guarita, vigiando os presos. Aquilo era chato, e eu já em
fase avançada da loucura ficava conversando com o novinho o tempo todo. Eu
conversava com alguém que já havia morrido, na verdade eu formulava sozinho o
nosso bate papo, eu perguntava a ele, ou seja, para a imagem dele criada e ampliada
na minha mente, e respondia por ele somente aquilo que eu queria ouvir! E o
tempo passava, e eu nem aí para aquele bando de gente insignificante e feia
para a qual eu devia estar dando atenção. De vez em quanto a realidade vinha, e
eu achava ridículo o que estava acontecendo, depois era uma dor forte de
tristeza sempre acompanhada de descrença. Quem é que Deus pensa que é? Por que
ainda acreditam nisso? E tantas outras coisas.
Certa vez eu estava
no pátio interno, e claro armado de vigilante da vez sentado numa dessas
cadeiras de plástico de frente a um orelhão, o único que às vezes era
disponibilizado para os presos. Na solidão me veio à ânsia da morte, um sentido
suicida, eu tinha um revolver 38, Taurus, de sete tiros nas mãos, e com 22 anos
já não acreditava em mais nada. Entre a loucura e a lucidez, a covardia me
apontava o orelhão, eu precisava falar com alguém. Pensava em ligar para o
Cthêysco, mas 03 horas da manhã, e ele acordava cedo, tipo 04h30min, naquela
época porque trabalhava como cobrador de ônibus. Seria um incômodo! Se ele me
atendesse mal eu com certeza ficaria pior e poderia apertar aquela porra mesmo.
Mas mesmo com o risco liguei; o Cthêysco do outro lado da linha me atendeu numa
euforia...: - Cara! Eu tava mesmo sonhando contigo, só pode ter sido Deus quem
fez tu me ligar agora! Eu to pensando umas coisas pra gente fazer na banda, esse
sonho era mágico velho, era uma revelação, coisa dos céus! No mesmo momento
toda a dor foi embora, e ele repetia: - Vai dar certo, vai dá certo! Deus tá
com agente! Claro que aquela euforia toda não deu certo mesmo, mas não como ele
tinha pensado, mas muito mais que isso, aquelas palavras positivas me salvaram!
É certo que um dia
haveria uma separação e um distanciamento entre amigos com ideais tão nobres. Hoje
vendo essa foto da gente tão criança fazendo posse, eu entendo que o mais
inteligente de nós quatro era o Novinho, por causa da maneira simples de
resolver e entender as coisas. Deus existe porque eu acredito! É isso mesmo, é
assim que eu penso agora, Deus existe porque eu quero! E ele não é covarde, e
se eu quero estar com ele também não posso ser. É simples! Pode cair chuva de
merda dos céus que eu vou é ri da putaria. Deus existe, eu quero assim! Eu quero
que o amor vença, eu quero prosperidade, eu quero respeito sem hipocrisias...
Eu sofri o pão que o diabo amassou com a minha boçalidade, mas eu continuo
boçal! É a minha marca registrada, tá no meu gene, me traduz. Eu sou escárnio,
e o que é que tem? Ao invés de sofrer pelas mazelas eu agora aprendo com elas, agradeço
as amizades, os irmãos de alma. E mesmo sem agente se ver mantenho a
consideração e o respeito pela minha família da rua, da escola, da vida. Viver é
aquela música do Barão vermelho; pura ironia do pó mágico, e saudações aos que
têm coragem, pros que estão aqui pra qualquer viagem. É isso o que tenho pra
dizer.
DEDICO ESTE POST A GERAÇÃO 90
GEORGIANO DE CASTRO.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarque história!!!!e o foda de tudo é saber que é apenas um resumo esforçado. deu vontade de chorar em algun momento ,mas o poço é razo, deu vontade de rir, mas com tanta desgraça exitei,deu vontade de oferecer ajuda, mas a sua ajuda ta apontando o dedinho na minha cara. kkkkkk lindo.
ResponderEliminarGostei do texto! Abriiu a minnha mente!
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